5 de novembro de 2008

A lógica profética do cristianismo entra em contradição com a lógica do marketing

Jung Mo Sung

Recentemente o jornal O Estado de São Paulo reproduziu um artigo publicado nos Estados Unidos sobre a prática de diversas igrejas evangélicas usarem o video-game Halo 3 (um jogo extremamente violento que está fazendo muito sucesso) para atrair jovens às igrejas. O argumento é simples: as igrejas precisam e desejam atrair jovens para lhes pregar o evangelho e a mensagem de paz, mas como os jovens parecem não ter interesse nesse tipo de assunto, elas decidiram lhes o que eles querem (a oportunidade de jogar em grupos um video-game da moda) e depois tentam lhes anunciar a boa-nova de Jesus.
A principal discussão em torno desse assunto é se a experiência do jogo violento no interior da igreja não vai contra a mensagem de paz que a mesma igreja tenta pregar.

Sem entrar na discussão sobre a contradição ou não entre um video-game violento e a mensagem de paz (apesar de que nem sempre o que as igrejas pregam são realmente mensagens de paz), eu quero chamar atenção para o fato de que a lógica por trás dessa estratégia pastoral é a aplicação no campo religioso da lógica de marketing: pesquisar os desejos do público alvo e adequar a oferta a esses desejos.
Quando o objetivo maior de uma igreja é aumentar o número dos fiéis, parece-me bastante razoável que se aplique a lógica e as técnicas de marketing ao campo religioso. Pois, se há uma "ciência" bem desenvolvida para atender os desejos de seu público alvo e aumentar a fatia no "mercado" (seja religioso ou um outro) é o marketing.
Esta é a razão pela qual o uso da lógica de marketing não está restrito às igrejas dos Estados Unidos, mas também em outros países como Brasil. Há setores das igrejas cristãs que acreditam que a solução para os problemas pastorais e, especialmente, para fazer a igreja crescer (quantitativamente) está no marketing.
Esta proposta é bastante sedutora, pois muitos bispos e lideranças das igrejas estão, com certa razão, preocupados com o número de fiéis. E como as teologias tradicionalmente utilizadas nos seminários e nas pastorais não estão conseguindo solucionar este problema, marketing soa como uma inovação salvadora. Assim, muitas igrejas cristãs (inclusive a católica) possuem ou estão criando institutos de marketing a ou algo que parece como "departamento de marketing" no interior das igrejas.

O maior problema dessa tendência é que a lógica profética do cristianismo entra em contradição com a lógica do marketing. As igrejas e pessoas que assumem a missão de anunciar a boa-nova do Evangelho devem ouvir em primeiro lugar a Palavra de Deus, e não os desejos dos "consumidores". Pois se missão cristã é simplesmente atender os desejos religiosos do povo para encher as suas igrejas, o chamado à conversão não faz sentido. A conversão só ocorre porque as pessoas encontram valores e propostas que são diferentes do que estão desejando.
Oferecer viodeo-games violentos, adocicar a mensagem cristã ou reduzir as liturgias a shows emotivos pode ajudar encher as igrejas, mas é também correr um sério risco de esvaziar ou até mesmo negar o evangelho.

Por outro lado, eu penso que as igrejas podem e até devem levar em consideração as técnicas de comunicação e de marketing na sua missão profética de criticar as injustiças e desumanidades que marcam o nosso mundo e anunciar a esperança de um mundo mais humano.
A lógica do marketing não é compatível com a missão cristã, mas há técnicas e conhecimentos utilizados pelo pessoal do marketing que podem ser aproveitados em outras lógicas. Um exemplo simples disso: o uso das técnicas de comunicação visual na confecção de materiais das lutas sociais. O equívoco do pessoal que acreditam que o marketing é a "salvação" para a pastoral não pode nos levar a outro equívoco de não aprendermos os conhecimentos e técnicas utilizados no campo de marketing que poderiam ser muito úteis na nossa missão profética.

9 comentários:

Anchieta Campos disse...

"A conversão só ocorre porque as pessoas encontram valores e propostas que são diferentes do que estão desejando". Esta frase sintetiza com precisão o objetivo este artigo.

A partir do momento em que uma igreja se descaracteriza para tentar atrair o público, ela acaba conseqüentemente mudando a linha dos seus futuros membros, o que acabará afetando toda a sua estrutura futura, desde simples costumes até importantes doutrinas.

Mudar a "isca" pode até ser interessante, mas tem que se ter cuidado para que uma isca indevida não venha a contaminar a qualidade do "pescado", tirando assim o proveito para o qual fora apanhado.

Forte abraço caro irmão.

Anchieta Campos

Marcos Vieira disse...

Prezado Paulo,

Excelente texto do Jung. Aliás suas análises do contexto religioso (em especial as ligadas a economia) são muito instrutivas. Quanto a lógica do marketing, tenho que admitir que nos é muito difícil lutar contra suas influências sobre a grande maioria de nossas Igrejas. A pressão é externa e interna. Muitos pastores se sentem solitariamente entrincheirados nessa batalha. Eu mesmo já me senti assim algumas vezes. Precisamos de um avivamento genuíno. Essa tem sido minha oração. Parabéns pelo blog!

Victor Leonardo Barbosa disse...

Muito importante este texto pastor Paulo, e que demonstra a triste realidade de nossas igrejas, cada vez mais utilizando a lógica e não as técnicas do Marketing.
Fazendo isso, a igreja acaba virando uma propagadora do "pão e circo" também.

Um grande a abraço e que Deus o abençoe!

*Eduardo Neves & Firmino Jr.* disse...

Graça e Paz

Olá irmão, estou aqui novamente, mas agora p/ convidá-lo a conhecer o meu mais novo espaço na net (“Graça Diária”); juntamente c/ o irmão Firmino Jr. (companheiro nos tempos de seminário), levaremos aos sedentos e famintos: o Pão e a Água da vida!
Trata-se de um blog onde a santa Palavra do nosso Senhor e Deus Jesus Cristo será exposta e exortada de forma inteligente!

Espero sua visita e comentário!

Um abraço!
Eduardo Neves e Firmino Jr.

http://vcejesus.blogspot.com

Vitor Hugo da Silva - Joinville, SC disse...

Paulo Silvano, bom dia!

Lembra do assunto graça? Pois é, transcrevi uma passagem do livro discipulado de Dietrich Bonhoefer em meu blog a respeito. Dê uma passada por lá, e se possível comente!

Abraços

Vitor Hugo

Alex Carrari disse...

Caro amigo,

A lógica do mercado com suas exigências de marketing tem produzido no imaginário cristão um ideal de Deus muito parecido com o bezerro do deserto adorado ao pé do morro onde Deus manifestava Sua presença. Enquanto um (Moisés) falava com Deus, milhares adoravam um bezerro (deus) com mais "atrativos", mais popular, mais fácil de manipular. Um deus de mercado.

Grande abraço,

Alex

Eduardo Neves disse...

Graça e Paz

Olá irmão, nos próximos meses estarei postando no “Entendes tu o que lês?” sobre a História do Cristianismo!

Vou apontar ligeiramente alguns aspectos da história da igreja, especialmente: evangelização (estratégia da expansão e teologia missionária), política (a relação da igreja com o estado) e culto (desenvolvimento litúrgico e organização formal da igreja).

* IGREJA E CULTO (Novembro-Dezembro)
* IGREJA E POLÍTICA (Janeiro)
* IGREJA E EVANGELIZAÇÃO (Fevereiro)

Será um estudo que tem por finalidade levar nossos amigos leitores a enxergar o grande abismo entre o verdadeiro ideal da igreja cristã e o estado presente de omissão, hierarquização e aburguesamento (com raras exceções).

Necessariamente alguns textos serão controversos. Deles discorde. Essencialmente alguns textos induzirão os nossos pressupostos. A partir destes, discuta. E aos que existirem erros, denuncie!

Agora se alguém reconhecer que os escritos são verdadeiros, não os ignore.

Parabéns pelo seu blog! Espero sua visita e comentário!

Um abraço!
Eduardo Neves.

Ps.: Belo artigo; a verdade é que se alguns jovens não tem interesse pelo evangelho, não vai ser um jogo de video-game que vai atrair ninguém! A Igreja toma rumos cada vez mais incompatíveis com seu propósito!

juberd2008 disse...

Prezado Paulo Silvano,

No texto, Jung utiliza a frase "missão profética da igreja". Ao se analisar o ministério dos profetas no Antigo Testamento, João Batista, Jesus e da igreja no Novo Testamento, percebemos como estamos distante disso hoje em dia. Parabéns pela postagem.

Abraço.

Paulo Silvano disse...

Caros Irmãos Amigos,
Anchieta, Alex, Victor Leonardo, Vitor Hugo, Juber, Marcos Vieira e Eduardo,
Fico grato por visitarem o Sinergismo e pelo preciosos comentários aqui postados. Farei o possível para retribuir o carinho de cada um de vcs.

Um abraço a todos,
Paulo Silvano